segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Caso de raticida em escola de Porto Alegre

Há algumas semanas atrás aconteceu em uma escola de Porto Alegre um caso simplesmente inacreditável.

Depois que algumas pessoas passaram mal ao comer o strogonoff do almoço da escola, entre elas algumas crianças, alguém foi até a cozinha e encontrou alguns pacotes de isca raticida próximos à panela, dois deles vazios e com uma tesoura ao lado, que teria sido usada para abrir os pacotes e supostamente despejar o conteúdo na panela. Também encontraram um granulado rosa misturado à carne na panela.

Algumas pessoas reclamaram que a comida estava extremamente amarga. No final das contas o que aconteceu é que as pessoas foram levadas ao hospital para receberem antídoto para o veneno, e as principais suspeitas, ainda não 100% confirmadas, recaem sobre uma pessoa que trabalhava na escola e já tinha histórico de problemas comportamentais em outras escolas pelas quais passou. Ela teria assumido a autoria do fato e teria dito que não sabia porque tinha feito aquilo.

Discussões criminais à parte, levantadas pelo delegado responsável e pelo advogado da suposta autora do crime, o caso joga luz a algumas conclusões que valem a pena refletirmos. Independente de ter ou não acontecido alguma coisa com as pessoas da escola ou de quem tenha feito essa barbaridade, o certo é que a pessoa é no mínimo desequilibrada e não pode ficar em convívio com outras pessoas, caso contrário pode, durante outro surto, realmente acabar matando alguém.

O que eu acho que vale a pena ser enfatizado é o que sempre falo em meus treinamentos: as iscas raticidas que temos no Brasil possuem um nível de segurança bastante elevado contra a intoxicação de pessoas e até mesmo de outros animais não alvo. Nesse sentido a regulamentação que a ANVISA colocou para os raticidas está de parabéns.

Primeiro, a concentração máxima do ingrediente ativo em iscas deve ser 0,005%. Olhando por exemplo, uma tabela de quantidade de isca a base de brodifacoum - uma das mais potentes - necessárias para matar um rato de 250g, gira em torno de 1,3g. Já uma galinha precisa comer cerca de 2 Kg. Um gato precisaria 1 Kg. Uma ovelha, 25 Kg. Obviamente não se sabe exatamente a quantidade necessária para matar uma pessoa, já que para isso teria que se testar em pessoas. Mas aí dá para ter uma idéia de que a quantidade de isca raticida para matar uma pessoa teria que ser bastante grande.

Logo, a conclusão que se chega é que os 50g (dois sachês de 25g) utilizados na tentativa de intoxicação coletiva na escola de Porto Alegre dificilmente mataria uma pessoa, quanto mais um grupo de pessoas. Aí mais um gol dentro da nossa legislação, que proíbe o uso de raticidas agudos (geralmente líquidos ou o famoso "chumbinho"). Com raticidas agudos realmente a quantidade necessária seria muito pequena. Mas esses tipos de venenos são proibidos hoje no Brasil e, embora infelizmente ainda se encontre com certa facilidade para venda em alguns estabelecimentos, muitas empresas especializadas já não fazem uso deste tipo de produto (primeiro, porque são proibidos, por serem extremamente tóxicos e persistentes e não possuírem antídoto, e segundo, porque matam muito rápido e causam desconfiança dos ratos).

Então, mesmo que as pessoas tivessem ingerido a quantidade necessária para levar à morte, nesse caso em Porto Alegre, as pessoas teriam tempo de sobra para receberem o antídoto, já que o efeito do veneno ocorre alguns dias após a ingestão, diferente dos raticidas agudos (os proibidos que falei antes). A propósito, se alguém quiser saber, o antídoto é vitamina K1 injetável.

Mas a questão da segurança não pára por aí. Já há alguns anos no Brasil, qualquer tipo de isca que contenha veneno precisa ter um composto chamado benzoato de denatonium. Esse composto é um amargante. Ele possui um gosto tão amargo ao paladar humano que a pessoa dificilmente consegue ingerir a isca. Algumas pessoas que prestaram mais atenção às notícias, devem ter visto que algumas pessoas relataram que a comida estava bastante amarga. Era o benzoato de denatonium fazendo o seu papel na proteção das pessoas.

Assim, a pessoa que fez o ato criminoso, nunca conseguiria atingir seu objetivo com o tipo de veneno que utilizou, independente da marca. É claro que ninguém gostaria que isso tivesse acontecido, foi um fato lamentável. Mas eu, particularmente, obtive um exemplo de domínio público das coisas que sempre digo nos treinamentos e que agora tem mais força e exemplos para mostrar: as nossas iscas raticidas foram desenvolvidas para matar ratos. Definitivamente não servem para matar pessoas.

Para fechar, sempre que falo em raticidas, costumo dizer que a diferença entre o remédio e o veneno é a dose. E tem um exemplo nos raticidas que mostra bem isso. Tem um ingrediente ativo que não tenho mais visto muito no mercado, que se chama warfarina. Eu me lembro que há alguns anos atrás ainda tinha alguns produtos à base desse ativo, mas ultimamente não tenho visto mais.

Pois a mesma warfarina que é utilizada em veneno para ratos e morcegos hematófagos, também é utilizada como medicamento por pessoas que possuem marcapasso ou outros equipamentos que regulem a circulação sangüinea. A warfarina, assim como o brodifacoum, o bromadiolone, flocumafen, cumatetralil e outros, atua como anticoagulante. Ou seja, ele impede a coagulação do sangue. Isso é importante para não causar a obstrução do marcapasso por coágulos sangüíneos.

Mas obviamente, não queremos evitar tanto a coagulação do sangue a ponto de matar a pessoa, então a dose deve ser bem reduzida. Eventualmente, se o paciente tomar uma superdosagem de warfarina, pode ter o mesmo destino que um rato que ingeriu nossas iscas raticidas, porque numa dose muito alta este pode chegar na dose letal. Por isso, sempre digo: a diferença entre o remédio e o veneno é a dose.

Finalizo o post enviando um grande abraço ao Giovani da BioConser, do Rio de Janeiro, que tem nos acompanhado e nos deu um feedback há alguns dias atrás.

Um grande abraço também a todas as outras pessoas que nos acompanham.

Bons negócios a todos e até o próximo post!